Observações sobre “O ramo de ouro” de Frazer: Difference between revisions

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Eu creio que o empreendimento de uma explicação já é falho, porque só se tem que organizar corretamente o que se ''sabe'', e nada acrescentar, e vem por si mesma a satisfação a que se aspira pela explicação.{{hidden|<sup>34</sup>}}
Eu creio que o empreendimento de uma explicação já é falho, porque só se tem que organizar corretamente o que se ''sabe'', e nada acrescentar, e vem por si mesma a satisfação a que se aspira pela explicação.{{hidden|<sup>34</sup>}}


E a explicação não é aqui de nenhum modo o que satisfaz. Quando Frazer começa a nos relatar a história do rei do bosque de Nemi, ele o faz num tom que mostra que ele sente, e nos quer fazer sentir, que aqui ocorre algo de estranho e temível. Mas a pergunta ―por que isso ocorre?só pode ser respondida na verdade por: por que isso é temível. Isto é, o mesmo que se nos apresenta nesse acontecimento como temível, grandioso, horripilante, trágico etc., não menos que trivial e insignificante, ''isso'' {{udashed|gerou esse acontecimento}}.{{hidden|<sup>35</sup>}} {{MS reference|(TS 211, p. 314)}}
E a explicação não é aqui de nenhum modo o que satisfaz. Quando Frazer começa a nos relatar a história do rei do bosque de Nemi, ele o faz num tom que mostra que ele sente, e nos quer fazer sentir, que aqui ocorre algo de estranho e temível. Mas a pergunta "por que isso ocorre?" só pode ser respondida na verdade por: por que isso é temível. Isto é, o mesmo que se nos apresenta nesse acontecimento como temível, grandioso, horripilante, trágico etc., não menos que trivial e insignificante, ''isso'' {{udashed|gerou esse acontecimento}}.{{hidden|<sup>35</sup>}} {{MS reference|(TS 211, p. 314)}}


Aqui só se pode ''descrever'' e dizer: assim é a vida humana.
Aqui só se pode ''descrever'' e dizer: assim é a vida humana.
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O aperto dos pensamentos que não podem vir para fora, porque todos querem empurrar-se para a frente e, assim, se trancam na saída.{{hidden|<sup>39</sup>}}
O aperto dos pensamentos que não podem vir para fora, porque todos querem empurrar-se para a frente e, assim, se trancam na saída.{{hidden|<sup>39</sup>}}


Se alguém coloca aquele relato do rei-sacerdote de Nemi junto com a frase ―a majestade da morte‖, vê então que ambos são um só.{{hidden|<sup>40</sup>}}
Se alguém coloca aquele relato do rei-sacerdote de Nemi junto com a frase "a majestade da morte", vê então que ambos são um só.{{hidden|<sup>40</sup>}}


A vida do rei-sacerdote apresenta aquilo que se diz com aquela frase.{{hidden|<sup>41</sup>}}
A vida do rei-sacerdote apresenta aquilo que se diz com aquela frase.{{hidden|<sup>41</sup>}}
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Poder-se-ia dizer: este e este acontecimento se realizaram; ri, se podes.'''{{hidden|<sup>44</sup>}}''' {{MS reference|(TS 211, p. 315)}}
Poder-se-ia dizer: este e este acontecimento se realizaram; ri, se podes.'''{{hidden|<sup>44</sup>}}''' {{MS reference|(TS 211, p. 315)}}


A ação religiosa, ou a vida religiosa do rei-sacerdote não é de outro tipo que toda a ação religiosa autêntica de hoje, por exemplo de uma confissão de pecados. Também esta se pode ''explicar''‖ e não se pode explicar.{{hidden|<sup>45</sup>}}
A ação religiosa, ou a vida religiosa do rei-sacerdote não é de outro tipo que toda a ação religiosa autêntica de {{udashed|hoje}}, por exemplo de uma confissão de pecados. Também esta se pode "''explicar''" e não se pode explicar.{{hidden|<sup>45</sup>}}


Queimar em efígie.{{hidden|<sup>46</sup>}} Beijar a imagem da pessoa amada. É ''claro'' que isto ''não'' se baseia na crença em uma determinada efetividade sobre o objeto que a imagem apresenta. Isso só visa uma satisfação, e também a obtém. Ou melhor, isso ''não visa'' absolutamente nada; nós agimos assim mesmo e nos sentimos satisfeitos.{{hidden|<sup>47</sup>}}
Queimar em efígie.{{hidden|<sup>46</sup>}} Beijar a imagem da pessoa amada. É ''claro'' que isto ''não'' se baseia na crença em uma determinada efetividade sobre o objeto que a imagem apresenta. Isso só visa uma satisfação, e também a obtém. Ou melhor, isso ''não visa'' absolutamente nada; nós agimos assim mesmo e nos sentimos satisfeitos.{{hidden|<sup>47</sup>}}
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Que a sombra de uma pessoa, que vemos como uma pessoa, ou a sua imagem no espelho, que chuva, trovoada, as fases da lua, a mudança das estações, a semelhança e a diferença dos animais entre si e com as pessoas, as manifestações da morte, o nascimento e a vida sexual, {{MS reference|(TS 211, p. 318)}} em suma, tudo que as pessoas todos os anos percebem ao redor de si, e ligam de múltiplas maneiras entre si, é compreensível que se apresentem //joguem um papel// no seu pensamento (na sua filosofia) e nos seus costumes, ou é de fato isto o que nós realmente sabemos e é interessante.{{hidden|<sup>63</sup>}}
Que a sombra de uma pessoa, que vemos como uma pessoa, ou a sua imagem no espelho, que chuva, trovoada, as fases da lua, a mudança das estações, a semelhança e a diferença dos animais entre si e com as pessoas, as manifestações da morte, o nascimento e a vida sexual, {{MS reference|(TS 211, p. 318)}} em suma, tudo que as pessoas todos os anos percebem ao redor de si, e ligam de múltiplas maneiras entre si, é compreensível que se apresentem //joguem um papel// no seu pensamento (na sua filosofia) e nos seus costumes, ou é de fato isto o que nós realmente sabemos e é interessante.{{hidden|<sup>63</sup>}}


Como poderia o fogo ou a semelhança do fogo com o sol deixar de causar uma impressão no espírito desperto do homem? Mas não talvez ―porque ele não consegue explicar‖ (a tola superstição do nosso tempo) – Pois isso seria menos impressionante por meio de uma ―explicação‖? –{{hidden|<sup>64</sup>}}
Como poderia o fogo ou a semelhança do fogo com o sol deixar de causar uma impressão no espírito desperto do homem? Mas não talvez "porque ele não consegue explicar" (a tola superstição do nosso tempo) – Pois isso seria menos impressionante por meio de uma "explicação"? –{{hidden|<sup>64</sup>}}


A magia em ―Alice no País das Maravilhas‖ no secar pela leitura do mais seco que há.{{hidden|<sup>65</sup>}}
A magia em "Alice no País das Maravilhas" no secar pela leitura do mais seco que há.{{hidden|<sup>65</sup>}}


Pela cura mágica de uma doença dá-se-lhe a ''entender'' que deveria sair do paciente.
Pela cura mágica de uma doença dá-se-lhe a ''entender'' que deveria sair do paciente.
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Quando se toma como natural que o homem se diverte com sua fantasia, então se considera que esta fantasia não é como uma imagem pintada ou como um modelo plástico, mas como uma configuração complicada de componentes heterogêneos: palavras e imagens.{{hidden|<sup>73</sup>}}
Quando se toma como natural que o homem se diverte com sua fantasia, então se considera que esta fantasia não é como uma imagem pintada ou como um modelo plástico, mas como uma configuração complicada de componentes heterogêneos: palavras e imagens.{{hidden|<sup>73</sup>}}


Não mais se colocará então o operar com sinais escritos – e sonoros – como contrário ao operar com ―imagens de representação‖ dos acontecimentos.{{hidden|<sup>74</sup>}}
Não mais se colocará então o operar com sinais escritos – e sonoros – como contrário ao operar com "imagens de representação" dos acontecimentos.{{hidden|<sup>74</sup>}}


Nós temos que arar toda a extensão da linguagem.{{hidden|<sup>75</sup>}}
Nós temos que arar toda a extensão da linguagem.{{hidden|<sup>75</sup>}}


Frazer: ―... That these observances are dictated by fear of the ghost of the slain seems certain; ...(...Que essas observâncias sejam ditadas pelo medo do fantasma do assassinado, parece certo;...){{hidden|<sup>76</sup>}} Mas então por que usa Frazer a palavra ―ghost‖ (fantasma)? Ele compreende, portanto, muito bem esta superstição, já que ele nos explica o que ela é com uma palavra supersticiosa e familiar para ele. Ou antes, ele teria que poder ver que também fala em nós algo em favor do modo de agir dos selvagens. – Quando eu, que não creio que haja em qualquer parte seres humanos sobre-humanos que possam ser chamados de deuses – quando digo: ―temo a vingança dos deuses‖, isso mostra que eu (posso) quero dizer algo com isso, ou posso dar expressão a um sentimento, que não está necessariamente {{MS reference|(TS 211, p. 320)}} ligado àquela crença.{{hidden|<sup>77</sup>}}
Frazer: "... That these observances are dictated by fear of the ghost of the slain seems certain; ..." ("...Que essas observâncias sejam ditadas pelo medo do fantasma do assassinado, parece certo;..."){{hidden|<sup>76</sup>}} Mas então por que usa Frazer a palavra "ghost" (fantasma)? Ele compreende, portanto, muito bem esta superstição, já que ele nos explica o que ela é com uma palavra supersticiosa e familiar para ele. Ou antes, ele teria que poder ver que também fala em nós algo em favor do modo de agir dos selvagens. – Quando eu, que não creio que haja em qualquer parte seres humanos sobre-humanos que possam ser chamados de deuses – quando digo: "temo a vingança dos deuses", isso mostra que eu (posso) quero dizer algo com isso, ou posso dar expressão a um sentimento, que não está necessariamente {{MS reference|(TS 211, p. 320)}} ligado àquela crença.{{hidden|<sup>77</sup>}}


Frazer seria capaz de acreditar que um selvagem morre por equívoco. Nos livros de leitura da escola primária consta que Átila empreendeu sua grande expedição militar porque acreditava que possuía a espada do deus do trovão.
Frazer seria capaz de acreditar que um selvagem morre por equívoco. Nos livros de leitura da escola primária consta que Átila empreendeu sua grande expedição militar porque acreditava que possuía a espada do deus do trovão.
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Identificação dos próprios deuses com os deuses de outros povos. Nos convencemos de que os nomes têm o mesmo significado.{{hidden|<sup>81</sup>}}
Identificação dos próprios deuses com os deuses de outros povos. Nos convencemos de que os nomes têm o mesmo significado.{{hidden|<sup>81</sup>}}


―E assim o coro aponta para uma lei secreta‖,{{hidden|<sup>82</sup>}} poder-se-ia dizer da coletânea de fatos frazereana. Esta lei, esta ideia, eu ''posso'' exprimir // apresentar// mediante uma hipótese evolutiva, ou também, em analogia com o esquema de uma planta, pelo esquema de uma cerimônia religiosa, ou tão só pelo agrupamento dos materiais factuais somente, numa apresentação ''panorâmica''.{{hidden|<sup>83</sup>}} {{MS reference|(TS 211, p. 321)}}
"E assim o coro aponta para uma lei secreta",{{hidden|<sup>82</sup>}} poder-se-ia dizer da coletânea de fatos frazereana. Esta lei, esta ideia, eu ''posso'' exprimir // apresentar// mediante uma hipótese evolutiva, ou também, em analogia com o esquema de uma planta, pelo esquema de uma cerimônia religiosa, ou tão só pelo agrupamento dos materiais factuais somente, numa apresentação "''panorâmica''".{{hidden|<sup>83</sup>}} {{MS reference|(TS 211, p. 321)}}


O conceito de apresentação panorâmica{{hidden|<sup>84</sup>}} tem para nós{{hidden|<sup>85</sup>}} a mais fundamental importância. Ele marca a nossa forma de apresentação, a maneira como {{MS reference|(TS 211, p. 281)}} nós vemos as coisas. (Uma espécie de ―visão de mundo‖ tal como é aparentemente típica do nosso tempo.{{hidden|<sup>86</sup>}} Spengler{{hidden|<sup>87</sup>}})
O conceito de apresentação panorâmica{{hidden|<sup>84</sup>}} tem para nós{{hidden|<sup>85</sup>}} a mais fundamental importância. Ele marca a nossa forma de apresentação, a maneira como {{MS reference|(TS 211, p. 281)}} nós vemos as coisas. (Uma espécie de "visão de mundo" tal como é aparentemente típica do nosso tempo.{{hidden|<sup>86</sup>}} Spengler{{hidden|<sup>87</sup>}})


Esta apresentação panorâmica proporciona o compreender // a compreensão //,{{hidden|<sup>88</sup>}} que consiste precisamente em ―ver as concatenações‖. Daí a importância do encontrar{{hidden|<sup>89</sup>}} os ''elos intermediários''.{{hidden|<sup>90</sup>}} {{MS reference|(TS 211, p. 282)}}
Esta apresentação panorâmica proporciona o compreender // a compreensão //,{{hidden|<sup>88</sup>}} que consiste precisamente em "ver as concatenações". Daí a importância do encontrar{{hidden|<sup>89</sup>}} os ''elos intermediários''.{{hidden|<sup>90</sup>}} {{MS reference|(TS 211, p. 282)}}


Um elo intermediário hipotético, entretanto, nada deve fazer nesse caso senão dirigir a atenção para a semelhança, para a concatenação, entre os ''fatos''. Como se uma pessoa, {{udashed|quisesse}} ilustrar // ilustrasse // uma relação interna da forma circular com a elipse, transformasse gradualmente uma elipse num círculo; ''mas não para afirmar que uma certa elipse factualmente, historicamente, teria se originado de um círculo'' (hipótese evolutiva), senão somente para aguçar nosso olho para uma concatenação formal.{{hidden|<sup>91</sup>}}
Um elo intermediário hipotético, entretanto, nada deve fazer nesse caso senão dirigir a atenção para a semelhança, para a concatenação, entre os ''fatos''. Como se uma pessoa, {{udashed|quisesse}} ilustrar // ilustrasse // uma relação interna da forma circular com a elipse, transformasse gradualmente uma elipse num círculo; ''mas não para afirmar que uma certa elipse factualmente, historicamente, teria se originado de um círculo'' (hipótese evolutiva), senão somente para aguçar nosso olho para uma concatenação formal.{{hidden|<sup>91</sup>}}
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Mas eu posso ver também a hipótese evolutiva{{hidden|<sup>92</sup>}} como um Nada além, como{{hidden|<sup>93</sup>}} a «uma» vestimenta de uma concatenação formal. {{MS reference|(TS 211, p. 322)}}
Mas eu posso ver também a hipótese evolutiva{{hidden|<sup>92</sup>}} como um Nada além, como{{hidden|<sup>93</sup>}} a «uma» vestimenta de uma concatenação formal. {{MS reference|(TS 211, p. 322)}}


Gostaria de dizer: nada mostra melhor nosso parentesco com aqueles selvagens do que Frazer ter à mão uma palavra tão familiar para ele e para nós como ―ghost‖ (fantasma)ou ―shade‖ (sombra), para descrever a maneira de ver daquela gente.{{hidden|<sup>94</sup>}} {{MS reference|(TS 211, p. 250)}}
Gostaria de dizer: nada mostra melhor nosso parentesco com aqueles selvagens do que Frazer ter à mão uma palavra tão familiar para ele e para nós como "ghost" (fantasma) ou "shade" (sombra), para descrever a maneira de ver daquela gente.{{hidden|<sup>94</sup>}} {{MS reference|(TS 211, p. 250)}}


(Claro que seria outra coisa se ele talvez descrevesse que os selvagens imaginavam // imaginam // que a sua cabeça cairia no chão se eles matassem um inimigo a pancadas. Aqui a ''nossa descrição'' não teria em si nada de supersticioso ou mágico.){{hidden|<sup>95</sup>}}
(Claro que seria outra coisa se ele talvez descrevesse que os selvagens imaginavam // imaginam // que a sua cabeça cairia no chão se eles matassem um inimigo a pancadas. Aqui a ''nossa descrição'' não teria em si nada de supersticioso ou mágico.){{hidden|<sup>95</sup>}}


Na realidade, essa estranheza não se refere só às expressões ―ghost‖ (fantasma) e ―shade‖ (sombra), e muito pouca atenção se dá ao fato de que contabilizamos a palavra ―alma‖, ―espírito‖ (―spirit‖), no nosso próprio vocabulário culto. {{udashed|Comparado a isto}}, é uma {{udashed|ninharia}} o fato de que não acreditamos que nossa alma coma e beba.{{hidden|<sup>96</sup>}}
Na realidade, essa estranheza não se refere só às expressões "ghost" (fantasma) e "shade" (sombra), e muito pouca atenção se dá ao fato de que contabilizamos a palavra "alma", "espírito" ("spirit"), no nosso próprio vocabulário culto. {{udashed|Comparado a isto}}, é uma {{udashed|ninharia}} o fato de que não acreditamos que nossa alma coma e beba.{{hidden|<sup>96</sup>}}


Na nossa linguagem está assentada toda uma mitologia.{{hidden|<sup>97</sup>}}
Na nossa linguagem está assentada toda uma mitologia.{{hidden|<sup>97</sup>}}


Exorcismo da morte ou assassinato da morte;{{hidden|<sup>98</sup>}} mas, por outro lado, ela foi representada como um esqueleto, como algo morto em certo sentido. ―As dead as death.‗Nada é tão morto como a morte; nada é tão belo quanto a própria beleza.‘ A imagem sob a qual se pensa aqui a realidade é a de que a beleza, a morte etc. é a substância pura (concentrada) «são as substâncias puras (concentradas)», ao passo que ela«s» existe«m» como mistura em um objeto belo.{{hidden|<sup>99</sup>}} – Não reconheço aqui minhas próprias observações sobre ‗objeto‘ e ‗complexo‘?{{hidden|<sup>100</sup>}} {{MS reference|(TS 211, p. 251)}}
Exorcismo da morte ou assassinato da morte;{{hidden|<sup>98</sup>}} mas, por outro lado, ela foi representada como um esqueleto, como algo morto em certo sentido. "As dead as death." ‗Nada é tão morto como a morte; nada é tão belo quanto a própria beleza.‘ A imagem sob a qual se pensa aqui a realidade é a de que a beleza, a morte etc. é a substância pura (concentrada) «são as substâncias puras (concentradas)», ao passo que ela«s» existe«m» como mistura em um objeto belo.{{hidden|<sup>99</sup>}} – Não reconheço aqui minhas próprias observações sobre ‗objeto‘ e ‗complexo‘?{{hidden|<sup>100</sup>}} {{MS reference|(TS 211, p. 251)}}


Nos antigos ritos temos o uso de uma linguagem de gestos extremamente cultivada.{{hidden|<sup>101</sup>}}
Nos antigos ritos temos o uso de uma linguagem de gestos extremamente cultivada.{{hidden|<sup>101</sup>}}
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Eu poderia imaginar que teria tido a alternativa de escolher um ser da terra como moradia para a minha alma, e que meu espírito tivesse escolhido essa criatura pouco vistosa ({{udashed|não-atraente}}) como seu assento e ponto de vista. Talvez porque para ele {{MS reference|(MS 110 p. 253)}} a escolha de um belo assento seria repugnante. Para isso, na realidade, o espírito teria que estar muito seguro de si.{{hidden|<sup>104</sup>}}
Eu poderia imaginar que teria tido a alternativa de escolher um ser da terra como moradia para a minha alma, e que meu espírito tivesse escolhido essa criatura pouco vistosa ({{udashed|não-atraente}}) como seu assento e ponto de vista. Talvez porque para ele {{MS reference|(MS 110 p. 253)}} a escolha de um belo assento seria repugnante. Para isso, na realidade, o espírito teria que estar muito seguro de si.{{hidden|<sup>104</sup>}}


Poder-se-ia dizer que ―toda vista tem a sua sedução‖, mas isso seria falso. O correto é dizer que toda a vista é significativa para aquele que a vê como significativa (o que não quer dizer que ele a veja como diferente do que é). E neste sentido, toda vista é igualmente significativa.{{hidden|<sup>105</sup>}}
Poder-se-ia dizer que "toda vista tem a sua sedução", mas isso seria falso. O correto é dizer que toda a vista é significativa para aquele que a vê como significativa (o que não quer dizer que ele a veja como diferente do que é). E neste sentido, toda vista é igualmente significativa.{{hidden|<sup>105</sup>}}


Na verdade, é importante que eu também tenha que «i me» apropriar do desprezo dos outros por mim, como uma parte essencial e significativa do mundo vista do meu lugar.{{hidden|<sup>106</sup>}} {{MS reference|(MS 110, p. 254)}}
Na verdade, é importante que eu também tenha que «i me» apropriar do desprezo dos outros por mim, como uma parte essencial e significativa do mundo vista do meu lugar.{{hidden|<sup>106</sup>}} {{MS reference|(MS 110, p. 254)}}
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Se uma pessoa tivesse nascido «i se» «deixado nascer» livremente numa árvore de uma floresta: então haveria aqueles que selecionariam a árvore mais bela ou a mais alta, aqueles que escolheriam a mais baixa e aqueles que escolheriam uma árvore média ou menor que uma média; e entendo que eles o fariam não por filistinismo, mas pela razão, ou pelo tipo de razão, pelo qual o outro escolheu a mais alta. Que o sentimento que temos pela nossa vida seja comparável ao da pessoa que pôde escolher o seu ponto de vista no mundo, está na base, creio, do mito – ou da crença – de que escolhemos o nosso corpo antes do nascimento.{{hidden|<sup>107</sup>}} {{MS reference|(MS 110, p. 255)}}
Se uma pessoa tivesse nascido «i se» «deixado nascer» livremente numa árvore de uma floresta: então haveria aqueles que selecionariam a árvore mais bela ou a mais alta, aqueles que escolheriam a mais baixa e aqueles que escolheriam uma árvore média ou menor que uma média; e entendo que eles o fariam não por filistinismo, mas pela razão, ou pelo tipo de razão, pelo qual o outro escolheu a mais alta. Que o sentimento que temos pela nossa vida seja comparável ao da pessoa que pôde escolher o seu ponto de vista no mundo, está na base, creio, do mito – ou da crença – de que escolhemos o nosso corpo antes do nascimento.{{hidden|<sup>107</sup>}} {{MS reference|(MS 110, p. 255)}}


{{leftaside|ø\}} Acredito que o característico do homem primitivo é que ele nunca age por causa de ''opiniões''{{hidden|<sup>108</sup>}} (contra Frazer). Leio, entre muitos exemplos semelhantes, sobre um Rei da Chuva, na África, a quem o povo roga por chuva ''quando chega o período das chuvas''.{{hidden|<sup>109</sup>}} Isso não significa, porém, que eles queiram propriamente dizer que ele possa fazer chover, se não eles o fariam no período mais seco do ano, em que a terra é ―a parched and arid desert‖ (um queimado e árido deserto). Pois ao se admitir que o povo, certa vez, por estupidez, criou este encargo para o Rei da Chuva, nesse caso fica certamente claro que eles já tinham antes a experiência de que a chuva começa em março, e então teriam{{hidden|<sup>110</sup>}} posto o Rei da Chuva para funcionar na parte restante do ano. Ou então: pela manhã, quando o sol estiver por nascer, os homens celebram{{hidden|<sup>111</sup>}} o rito da alvorada, mas não à noite, quando simplesmente acendem as lâmpadas.{{hidden|<sup>112</sup>}}
{{leftaside|ø\}} Acredito que o característico do homem primitivo é que ele nunca age por causa de ''opiniões''{{hidden|<sup>108</sup>}} (contra Frazer). Leio, entre muitos exemplos semelhantes, sobre um Rei da Chuva, na África, a quem o povo roga por chuva ''quando chega o período das chuvas''.{{hidden|<sup>109</sup>}} Isso não significa, porém, que eles queiram propriamente dizer que ele possa fazer chover, se não eles o fariam no período mais seco do ano, em que a terra é "a parched and arid desert" (um queimado e árido deserto). Pois ao se admitir que o povo, certa vez, por estupidez, criou este encargo para o Rei da Chuva, nesse caso fica certamente claro que eles já tinham antes a experiência de que a chuva começa em março, e então teriam{{hidden|<sup>110</sup>}} posto o Rei da Chuva para funcionar na parte restante do ano. Ou então: pela manhã, quando o sol estiver por nascer, os homens celebram{{hidden|<sup>111</sup>}} o rito da alvorada, mas não à noite, quando simplesmente acendem as lâmpadas.{{hidden|<sup>112</sup>}}


{{leftaside|ø}} Quando estou furioso com algo, bato às vezes minha bengala na terra ou contra uma árvore etc. Mas não acredito que a terra seja culpada ou que a bengala possa ajudar em algo. ―Descarrego minha fúria‖. E todos os ritos são desse tipo. Essas ações podem ser denominadas como ações {{MS reference|(MS 110, p. 297)}} instintivas. – E uma explicação histórica do que talvez eu ou os meus antepassados acreditaram antes, de que bater na terra ajudava em algo, são fantasmagorias, são hipóteses supérfluas que ''nada'' explicam.{{hidden|<sup>113</sup>}} O importante é a semelhança do ato com o meu ato de castigar; porém, mais do que essa semelhança, nada se pode constatar.{{hidden|<sup>114</sup>}}
{{leftaside|ø}} Quando estou furioso com algo, bato às vezes minha bengala na terra ou contra uma árvore etc. Mas não acredito que a terra seja culpada ou que a bengala possa ajudar em algo. "Descarrego minha fúria". E todos os ritos são desse tipo. Essas ações podem ser denominadas como ações {{MS reference|(MS 110, p. 297)}} instintivas. – E uma explicação histórica do que talvez eu ou os meus antepassados acreditaram antes, de que bater na terra ajudava em algo, são fantasmagorias, são hipóteses supérfluas que ''nada'' explicam.{{hidden|<sup>113</sup>}} O importante é a semelhança do ato com o meu ato de castigar; porém, mais do que essa semelhança, nada se pode constatar.{{hidden|<sup>114</sup>}}


Uma vez que esse fenômeno é colocado em ligação com um instinto que eu mesmo possuo, então é precisamente esta a explicação {{udashed|desejada}} «{{udahsed|almejada}}»; isto é, aquela que resolve o puzzlement (perplexidade) particular «esta {{udashed|dificuldade}} particular». E uma reflexão «pesquisa posterior» sobre a história do meu instinto move-se em outros trilhos.{{hidden|<sup>115</sup>}}
Uma vez que esse fenômeno é colocado em ligação com um instinto que eu mesmo possuo, então é precisamente esta a explicação {{udashed|desejada}} «{{udahsed|almejada}}»; isto é, aquela que resolve o puzzlement (perplexidade) particular «esta {{udashed|dificuldade}} particular». E uma reflexão «pesquisa posterior» sobre a história do meu instinto move-se em outros trilhos.{{hidden|<sup>115</sup>}}
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171{{hidden|<sup>125</sup>}}


―A network of prohibitions and observances of which the intention is not to contribute to his dignity...(―Uma rede de proibições e observâncias cuja intenção não é contribuir para a sua dignidade...) Isto é verdadeiro e falso. Decerto não a dignidade da proteção da pessoa, mas sim – por assim dizer – a santidade natural da divindade nele.]{{hidden|<sup>126</sup>}}
"A network of prohibitions and observances of which the intention is not to contribute to his dignity..." ("Uma rede de proibições e observâncias cuja intenção não é contribuir para a sua dignidade...") Isto é verdadeiro e falso. Decerto não a dignidade da proteção da pessoa, mas sim – por assim dizer – a santidade natural da divindade nele.]{{hidden|<sup>126</sup>}}


Por simples que pareça: a diferença entre a magia e a ciência pode ser posta nos seguintes termos: {{MS reference|(MS 143, p. 4)}} nesta existe um progresso, mas não na magia. Na magia não existe um rumo evolutivo que esteja nela mesma.{{hidden|<sup>127</sup>}} {{MS reference|(MS 143, p. 5)}}
Por simples que pareça: a diferença entre a magia e a ciência pode ser posta nos seguintes termos: {{MS reference|(MS 143, p. 4)}} nesta existe um progresso, mas não na magia. Na magia não existe um rumo evolutivo que esteja nela mesma.{{hidden|<sup>127</sup>}} {{MS reference|(MS 143, p. 5)}}
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618{{hidden|<sup>137</sup>}}


Nada fala a favor de por que a fogueira deveria ser circundada com essa auréola. E que estranho, o que quer dizer na realidade ―parece provir do céu‖? De que céu? Não, não é de nenhum modo evidente que a fogueira venha a ser considerada assim – mas ela foi justamente considerada assim.{{hidden|<sup>138</sup>}} {{MS reference|(MS 143, p. 10)}}
Nada fala a favor de por que a fogueira deveria ser circundada com essa auréola. E que estranho, o que quer dizer na realidade "parece provir do céu"? De que céu? Não, não é de nenhum modo evidente que a fogueira venha a ser considerada assim – mas ela foi justamente considerada assim.{{hidden|<sup>138</sup>}} {{MS reference|(MS 143, p. 10)}}


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Aqui, algo parece com os restos de um sorteio. E por esse aspecto, de repente, isso ganha profundidade.{{hidden|<sup>144</sup>}} Se percebêssemos que o bolo teve de ser assado «originalmente» com botões, possivelmente em honra do fabricante de botões «no seu aniversário», e que a prática tivesse sido conservada na região, então essa prática de fato perderia toda a ―profundidade‖, a não ser que ela residisse em si em sua forma presente.{{hidden|<sup>145</sup>}} No entanto, freqüentemente se diz num caso como esse: ―essa prática é ''evidentemente'' muito antiga‖. De onde se sabe disso? Só porque se tem testemunho histórico sobre esse tipo de práticas antigas? Ou tem ainda um outro fundamento, um que se adquire por interpretação? Contudo, mesmo quando é historicamente provada a origem pré-histórica da prática e a sua filiação a uma prática tenebrosa, ainda assim é possível que hoje a prática ''nada mais'' tenha em si de tenebrosa, que nada do antigo horror fique nela retida. Talvez hoje ela só seja praticada por crianças que competem em assar bolos e ornamentá-los com botões. {{MS reference|(MS 143, p. 13)}}
Aqui, algo parece com os restos de um sorteio. E por esse aspecto, de repente, isso ganha profundidade.{{hidden|<sup>144</sup>}} Se percebêssemos que o bolo teve de ser assado «originalmente» com botões, possivelmente em honra do fabricante de botões «no seu aniversário», e que a prática tivesse sido conservada na região, então essa prática de fato perderia toda a "profundidade", a não ser que ela residisse em si em sua forma presente.{{hidden|<sup>145</sup>}} No entanto, freqüentemente se diz num caso como esse: "essa prática é ''evidentemente'' muito antiga". De onde se sabe disso? Só porque se tem testemunho histórico sobre esse tipo de práticas antigas? Ou tem ainda um outro fundamento, um que se adquire por interpretação? Contudo, mesmo quando é historicamente provada a origem pré-histórica da prática e a sua filiação a uma prática tenebrosa, ainda assim é possível que hoje a prática ''nada mais'' tenha em si de tenebrosa, que nada do antigo horror fique nela retida. Talvez hoje ela só seja praticada por crianças que competem em assar bolos e ornamentá-los com botões. {{MS reference|(MS 143, p. 13)}}


Por isso, então, a profundidade está somente no pensamento de uma filiação. Entretanto, esta pode ser totalmente incerta, e poder-se-ia dizer: ―para que tomar cuidados «ocupar-se» com uma coisa tão incerta‖ (como uma Elsa esperta{{hidden|<sup>146</sup>}} que olha para trás)? Mas não se trata de tais preocupações. – Sobretudo: de onde vem a segurança de que uma tal prática tem que ser muito antiga (quais são os nossos dados, qual é a verificação)? Entretanto nós temos uma segurança, não poderíamos estar equivocados e ter sido convencidos «i historicamente» de um equívoco? Certamente, mas então permanece sempre, claro, alguma coisa da qual estamos seguros. Poderíamos, «i portanto», dizer: ―Bem, nesse caso a procedência poderia ser outra, mas em geral ela é certamente a pré- histórica‖. Aquilo que para nós é uma ''evidência'' disto, tem que conter a profundidade dessa suposição. E essa evidência é novamente psicológica «i e não-hipotética».{{hidden|<sup>147</sup>}} Se eu digo, por exemplo: a profundidade nessa prática está na sua procedência, ''se'' ela aconteceu assim. Então, a profundidade <s>deve</s> está no pensamento de uma tal procedência, ou a profundidade é «i ela mesma» apenas hipotética e só se pode dizer: ''se'' isso aconteceu assim, {{MS reference|(MS 143, p. 14)}} então foi uma história profunda e tenebrosa. Quero dizer: o tenebroso, o profundo, não reside no fato de ela ter ocorrido dessa forma, pois talvez ela não tenha ocorrido assim; nem tampouco que ela talvez ou realmente tenha sido assim, senão naquilo que me dá fundamento para isso supor tal suposição.{{hidden|<sup>148</sup>}} Claro, de onde vem na realidade o profundo e o tenebroso no sacrifício humano? São pois só os sofrimentos da vítima que nos impressionam? Doenças de todo tipo, que são ligadas a sofrimentos do mesmo tipo, não provocam ''contudo'' essa impressão. Não, esse profundo e tenebroso não são evidentes se nós só ficamos conhecendo a história da ação manifestada, pelo contrário ''nós'' o reintroduzimos a partir de uma experiência da nossa interioridade.{{hidden|<sup>149</sup>}}
Por isso, então, a profundidade está somente no pensamento de uma filiação. Entretanto, esta pode ser totalmente incerta, e poder-se-ia dizer: "para que tomar cuidados «ocupar-se» com uma coisa tão incerta" (como uma Elsa esperta{{hidden|<sup>146</sup>}} que olha para trás)? Mas não se trata de tais preocupações. – Sobretudo: de onde vem a segurança de que uma tal prática tem que ser muito antiga (quais são os nossos dados, qual é a verificação)? Entretanto nós temos uma segurança, não poderíamos estar equivocados e ter sido convencidos «i historicamente» de um equívoco? Certamente, mas então permanece sempre, claro, alguma coisa da qual estamos seguros. Poderíamos, «i portanto», dizer: "Bem, nesse caso a procedência poderia ser outra, mas em geral ela é certamente a pré- histórica". Aquilo que para nós é uma ''evidência'' disto, tem que conter a profundidade dessa suposição. E essa evidência é novamente psicológica «i e não-hipotética».{{hidden|<sup>147</sup>}} Se eu digo, por exemplo: a profundidade nessa prática está na sua procedência, ''se'' ela aconteceu assim. Então, a profundidade <s>deve</s> está no pensamento de uma tal procedência, ou a profundidade é «i ela mesma» apenas hipotética e só se pode dizer: ''se'' isso aconteceu assim, {{MS reference|(MS 143, p. 14)}} então foi uma história profunda e tenebrosa. Quero dizer: o tenebroso, o profundo, não reside no fato de ela ter ocorrido dessa forma, pois talvez ela não tenha ocorrido assim; nem tampouco que ela talvez ou realmente tenha sido assim, senão naquilo que me dá fundamento para isso supor tal suposição.{{hidden|<sup>148</sup>}} Claro, de onde vem na realidade o profundo e o tenebroso no sacrifício humano? São pois só os sofrimentos da vítima que nos impressionam? Doenças de todo tipo, que são ligadas a sofrimentos do mesmo tipo, não provocam ''contudo'' essa impressão. Não, esse profundo e tenebroso não são evidentes se nós só ficamos conhecendo a história da ação manifestada, pelo contrário ''nós'' o reintroduzimos a partir de uma experiência da nossa interioridade.{{hidden|<sup>149</sup>}}


O fato de que a sorte seja tirada de um bolo tem (também) algo de particularmente espantoso (próximo de uma traição por um beijo), e que isso nos cause a impressão de ser particularmente {{udashed|espantoso}}, tem novamente um significado essencial para a investigação dessas {{MS reference|(MS 143, p. 15)}} práticas {de uma tal prática}.{{hidden|<sup>150</sup>}}
O fato de que a sorte seja tirada de um bolo tem (também) algo de particularmente espantoso (próximo de uma traição por um beijo), e que isso nos cause a impressão de ser particularmente {{udashed|espantoso}}, tem novamente um significado essencial para a investigação dessas {{MS reference|(MS 143, p. 15)}} práticas {de uma tal prática}.{{hidden|<sup>150</sup>}}
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O que nos previne, porém, contra a suposição de que o Festival de Beltane tivesse sido sempre celebrado na forma presente (ou do passado recente)? Poder-se-ia dizer: é muito sem sentido para ter sido {{MS reference|(MS 143, p. 16)}} inventado assim. Não é como quando vejo uma ruína e digo: isso deve ter sido alguma vez uma casa, pois ninguém teria erguido um monte já formado de pedras talhadas e irregulares? E se me perguntassem: como é que sabes disso, só poderia então dizer: minha experiência com as pessoas me ensinou. Sim, mesmo onde realmente se constroem ruínas, elas tomam a forma de casas desmoronadas.{{hidden|<sup>153</sup>}}
O que nos previne, porém, contra a suposição de que o Festival de Beltane tivesse sido sempre celebrado na forma presente (ou do passado recente)? Poder-se-ia dizer: é muito sem sentido para ter sido {{MS reference|(MS 143, p. 16)}} inventado assim. Não é como quando vejo uma ruína e digo: isso deve ter sido alguma vez uma casa, pois ninguém teria erguido um monte já formado de pedras talhadas e irregulares? E se me perguntassem: como é que sabes disso, só poderia então dizer: minha experiência com as pessoas me ensinou. Sim, mesmo onde realmente se constroem ruínas, elas tomam a forma de casas desmoronadas.{{hidden|<sup>153</sup>}}


Poder-se-ia também dizer assim: quem quisesse nos impressionar com o relato do Festival de Beltane, não precisaria, em todo caso, externar a hipótese da sua origem, ele só precisaria nos apresentar o material (que conduz à sua hipótese) e não dizer nada mais sobre isso.{{hidden|<sup>154</sup>}} Então se poderia talvez dizer: ―Sem dúvida, porque o ouvinte, ou leitor, vai tirar a conclusão por si mesmo!Mas ele tem que tirar essa conclusão explícita? Tem mesmo que tirá-la? E que tipo então de conclusão é essa? Que esta ou aquela é ''provável''?! E se ele pode tirar a conclusão por si mesmo, <s>por</s> <s>que</s> como deve a conclusão impressioná-lo? O que lhe impressiona tem que ser aquilo que ''ele'' não fez! Impressionou-o, portanto, primeiro a hipótese expressa <s>ou toda</s> (por ele ou por outro), ou já o material referente a ela? {{MS reference|(MS 143, p. 17)}}
Poder-se-ia também dizer assim: quem quisesse nos impressionar com o relato do Festival de Beltane, não precisaria, em todo caso, externar a hipótese da sua origem, ele só precisaria nos apresentar o material (que conduz à sua hipótese) e não dizer nada mais sobre isso.{{hidden|<sup>154</sup>}} Então se poderia talvez dizer: "Sem dúvida, porque o ouvinte, ou leitor, vai tirar a conclusão por si mesmo!" Mas ele tem que tirar essa conclusão explícita? Tem mesmo que tirá-la? E que tipo então de conclusão é essa? Que esta ou aquela é ''provável''?! E se ele pode tirar a conclusão por si mesmo, <s>por</s> <s>que</s> como deve a conclusão impressioná-lo? O que lhe impressiona tem que ser aquilo que ''ele'' não fez! Impressionou-o, portanto, primeiro a hipótese expressa <s>ou toda</s> (por ele ou por outro), ou já o material referente a ela? {{MS reference|(MS 143, p. 17)}}


Mas não poderia eu igualmente perguntar: se vejo alguém sendo assassinado – isso me impressiona simplesmente porque vejo ou vem primeiro a hipótese de que aqui uma pessoa é assassinada?{{hidden|<sup>155</sup>}}
Mas não poderia eu igualmente perguntar: se vejo alguém sendo assassinado – isso me impressiona simplesmente porque vejo ou vem primeiro a hipótese de que aqui uma pessoa é assassinada?{{hidden|<sup>155</sup>}}
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Todas essas ''diferentes'' práticas mostram que não se trata aqui da filiação de uma a outra, {{MS reference|(MS 143, p. 21)}} mas de um espírito comum. Poder-se-ia inventar (fabricar) todas essas mesmas cerimônias. E o espírito pelo qual se as inventaria, seria precisamente o seu espírito comum.{{hidden|<sup>164</sup>}}
Todas essas ''diferentes'' práticas mostram que não se trata aqui da filiação de uma a outra, {{MS reference|(MS 143, p. 21)}} mas de um espírito comum. Poder-se-ia inventar (fabricar) todas essas mesmas cerimônias. E o espírito pelo qual se as inventaria, seria precisamente o seu espírito comum.{{hidden|<sup>164</sup>}}


641{{hidden|<sup>165</sup>}} A ligação entre doença e sujeira. ―Limpar de uma doença‖.{{hidden|<sup>166</sup>}}
641{{hidden|<sup>165</sup>}} A ligação entre doença e sujeira. "Limpar de uma doença".{{hidden|<sup>166</sup>}}


Uma teoria infantil e simplória da doença nos é fornecida, a de que ela é uma sujeira que pode ser lavada.
Uma teoria infantil e simplória da doença nos é fornecida, a de que ela é uma sujeira que pode ser lavada.


Assim como existem ―teorias sexuais infantis‖, também há teorias infantis em geral. Isso não quer dizer que tudo o que uma criança faz, saia ''de'' uma {{MS reference|(MS 143, p. 22)}} teoria infantil tomada como seu fundamento.{{hidden|<sup>167</sup>}}
Assim como existem "teorias sexuais infantis", também há teorias infantis em geral. Isso não quer dizer que tudo o que uma criança faz, saia ''de'' uma {{MS reference|(MS 143, p. 22)}} teoria infantil tomada como seu fundamento.{{hidden|<sup>167</sup>}}


O correto e interessante não é dizer: isto saiu daquilo, senão: poderia ter saído assim.{{hidden|<sup>168</sup>}} {{MS reference|(MS 143, p. 23)}}
O correto e interessante não é dizer: isto saiu daquilo, senão: poderia ter saído assim.{{hidden|<sup>168</sup>}} {{MS reference|(MS 143, p. 23)}}
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Mesmo se não houvesse conhecimento de um tal pensamento de ligação entre purificação e sol, seria possível supor que ele de alguma maneira se apresentaria.{{hidden|<sup>172</sup>}} {{MS reference|(MS 143, p. 25)}}
Mesmo se não houvesse conhecimento de um tal pensamento de ligação entre purificação e sol, seria possível supor que ele de alguma maneira se apresentaria.{{hidden|<sup>172</sup>}} {{MS reference|(MS 143, p. 25)}}


680{{hidden|<sup>173</sup>}} ―soul-stone‖ (―pedra-alma‖). Aqui se vê como trabalha uma tal hipótese.{{hidden|<sup>174</sup>}} {{MS reference|(MS 143, p. 26)}}
680{{hidden|<sup>173</sup>}} "soul-stone" ("pedra-alma"). Aqui se vê como trabalha uma tal hipótese.{{hidden|<sup>174</sup>}} {{MS reference|(MS 143, p. 26)}}


681{{hidden|<sup>175</sup>}}
681{{hidden|<sup>175</sup>}}