Observações sobre “O ramo de ouro” de Frazer: Difference between revisions

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Entretanto – pode-se dizer – se ele não estava errado, então quem estava era o santo budista – ou outro qualquer – cuja religião expressa concepções completamente diferentes. Mas ''nenhum'' deles estava errado. Exceto quando afirmava uma teoria.{{hidden|<sup>27</sup>}}
Entretanto – pode-se dizer – se ele não estava errado, então quem estava era o santo budista – ou outro qualquer – cuja religião expressa concepções completamente diferentes. Mas ''nenhum'' deles estava errado. Exceto quando afirmava uma teoria.{{hidden|<sup>27</sup>}}


Já a ideia de querer explicar o costume{{hidden|<sup>28</sup>}} – talvez a morte do rei- sacerdote – me parece equivocada. Tudo o que Frazer faz é torná-los plausíveis para homens que pensam de modo semelhante a ele. É muito singular que todos esses costumes terminem, por assim dizer, sendo apresentados como estupidez.
Já a ideia de querer explicar o costume{{hidden|<sup>28</sup>}} – talvez a morte do rei-sacerdote – me parece equivocada. Tudo o que Frazer faz é torná-los plausíveis para homens que pensam de modo semelhante a ele. É muito singular que todos esses costumes terminem, por assim dizer, sendo apresentados como estupidez.


Jamais seria plausível, porém, que as pessoas fizessem //tudo isso// por pura estupidez.
Jamais seria plausível, porém, que as pessoas fizessem //tudo isso// por pura estupidez.
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Aqui a hipótese parece, antes de tudo, dar profundidade à coisa. E pode- se evocar a explicação da estranha relação de Siegfried e Brunilda na nova canção dos Nibelungos. A saber, que Siegfried parece já ter visto Brunilda uma vez antes. É claro agora que o que dá profundidade a esta prática é a sua ''conexão'' com a queima de uma pessoa.{{hidden|<sup>139</sup>}} Se fosse um costume de outro festival, em que os homens (como o jogo do cavaleiro e do corcel) cavalgam uns sobre os outros, então nada veríamos ali senão uma forma de transporte que lembra um homem andando a cavalo; se, entretanto, soubéssemos que tinha sido o costume de muitos povos «↓ por exemplo» utilizar escravos como cavalgadura e assim celebrar certos festivais montados, então {{udashed|descobriríamos}} «{{udashed|veríamos}}» «{{udashed|encontraríamos}}» aqui agora, na prática inofensiva do nosso tempo, algo mais profundo e menos inofensivo. A pergunta é: esta coisa – digamos – tenebrosa se fixa à prática (em si) das fogueiras de Beltane, tal como ela foi executada há 100 anos, ou só quando a hipótese da sua origem fosse confirmada? Eu creio que isto é revelador da {{udashed|natureza}} interna {{MS reference|(MS 143, p. 11)}} da própria prática «moderna», que nos parece tenebroso, e de que para nós fatos conhecidos de sacrifícios humanos indicam apenas a direção em que devemos ver tal prática.{{hidden|<sup>140</sup>}} Quando falo da {{udashed|natureza}} interna da prática, me refiro a todas as circunstâncias pelas quais ela é executada e que não estão compreendidas no relato desse festival, pois elas não consistem tanto em determinadas ações que a caracterizam, quanto nas que se podem denominar como o espírito do festival,{{hidden|<sup>141</sup>}} que seria descrito quando se descreve, por exemplo, o tipo de gente que dele participa, seus outros tipos de ação, isto é, seu caráter; o tipo dos jogos que eles costumam jogar. Então se veria que o tenebroso está no próprio caráter desses homens.{{hidden|<sup>142</sup>}} {{MS reference|(MS 143, p. 12)}}
Aqui a hipótese parece, antes de tudo, dar profundidade à coisa. E pode-se evocar a explicação da estranha relação de Siegfried e Brunilda na nova canção dos Nibelungos. A saber, que Siegfried parece já ter visto Brunilda uma vez antes. É claro agora que o que dá profundidade a esta prática é a sua ''conexão'' com a queima de uma pessoa.{{hidden|<sup>139</sup>}} Se fosse um costume de outro festival, em que os homens (como o jogo do cavaleiro e do corcel) cavalgam uns sobre os outros, então nada veríamos ali senão uma forma de transporte que lembra um homem andando a cavalo; se, entretanto, soubéssemos que tinha sido o costume de muitos povos «↓ por exemplo» utilizar escravos como cavalgadura e assim celebrar certos festivais montados, então {{udashed|descobriríamos}} «{{udashed|veríamos}}» «{{udashed|encontraríamos}}» aqui agora, na prática inofensiva do nosso tempo, algo mais profundo e menos inofensivo. A pergunta é: esta coisa – digamos – tenebrosa se fixa à prática (em si) das fogueiras de Beltane, tal como ela foi executada há 100 anos, ou só quando a hipótese da sua origem fosse confirmada? Eu creio que isto é revelador da {{udashed|natureza}} interna {{MS reference|(MS 143, p. 11)}} da própria prática «moderna», que nos parece tenebroso, e de que para nós fatos conhecidos de sacrifícios humanos indicam apenas a direção em que devemos ver tal prática.{{hidden|<sup>140</sup>}} Quando falo da {{udashed|natureza}} interna da prática, me refiro a todas as circunstâncias pelas quais ela é executada e que não estão compreendidas no relato desse festival, pois elas não consistem tanto em determinadas ações que a caracterizam, quanto nas que se podem denominar como o espírito do festival,{{hidden|<sup>141</sup>}} que seria descrito quando se descreve, por exemplo, o tipo de gente que dele participa, seus outros tipos de ação, isto é, seu caráter; o tipo dos jogos que eles costumam jogar. Então se veria que o tenebroso está no próprio caráter desses homens.{{hidden|<sup>142</sup>}} {{MS reference|(MS 143, p. 12)}}


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Aqui, algo parece com os restos de um sorteio. E por esse aspecto, de repente, isso ganha profundidade.{{hidden|<sup>144</sup>}} Se percebêssemos que o bolo teve de ser assado «originalmente» com botões, possivelmente em honra do fabricante de botões «no seu aniversário», e que a prática tivesse sido conservada na região, então essa prática de fato perderia toda a "profundidade", a não ser que ela residisse em si em sua forma presente.{{hidden|<sup>145</sup>}} No entanto, freqüentemente se diz num caso como esse: "essa prática é ''evidentemente'' muito antiga". De onde se sabe disso? Só porque se tem testemunho histórico sobre esse tipo de práticas antigas? Ou tem ainda um outro fundamento, um que se adquire por interpretação? Contudo, mesmo quando é historicamente provada a origem pré-histórica da prática e a sua filiação a uma prática tenebrosa, ainda assim é possível que hoje a prática ''nada mais'' tenha em si de tenebrosa, que nada do antigo horror fique nela retida. Talvez hoje ela só seja praticada por crianças que competem em assar bolos e ornamentá-los com botões. {{MS reference|(MS 143, p. 13)}}
Aqui, algo parece com os restos de um sorteio. E por esse aspecto, de repente, isso ganha profundidade.{{hidden|<sup>144</sup>}} Se percebêssemos que o bolo teve de ser assado «originalmente» com botões, possivelmente em honra do fabricante de botões «no seu aniversário», e que a prática tivesse sido conservada na região, então essa prática de fato perderia toda a "profundidade", a não ser que ela residisse em si em sua forma presente.{{hidden|<sup>145</sup>}} No entanto, freqüentemente se diz num caso como esse: "essa prática é ''evidentemente'' muito antiga". De onde se sabe disso? Só porque se tem testemunho histórico sobre esse tipo de práticas antigas? Ou tem ainda um outro fundamento, um que se adquire por interpretação? Contudo, mesmo quando é historicamente provada a origem pré-histórica da prática e a sua filiação a uma prática tenebrosa, ainda assim é possível que hoje a prática ''nada mais'' tenha em si de tenebrosa, que nada do antigo horror fique nela retida. Talvez hoje ela só seja praticada por crianças que competem em assar bolos e ornamentá-los com botões. {{MS reference|(MS 143, p. 13)}}


Por isso, então, a profundidade está somente no pensamento de uma filiação. Entretanto, esta pode ser totalmente incerta, e poder-se-ia dizer: "para que tomar cuidados «ocupar-se» com uma coisa tão incerta" (como uma Elsa esperta{{hidden|<sup>146</sup>}} que olha para trás)? Mas não se trata de tais preocupações. – Sobretudo: de onde vem a segurança de que uma tal prática tem que ser muito antiga (quais são os nossos dados, qual é a verificação)? Entretanto nós temos uma segurança, não poderíamos estar equivocados e ter sido convencidos «↓ historicamente» de um equívoco? Certamente, mas então permanece sempre, claro, alguma coisa da qual estamos seguros. Poderíamos, «↓ portanto», dizer: "Bem, nesse caso a procedência poderia ser outra, mas em geral ela é certamente a pré- histórica". Aquilo que para nós é uma ''evidência'' disto, tem que conter a profundidade dessa suposição. E essa evidência é novamente psicológica «↓ e não-hipotética».{{hidden|<sup>147</sup>}} Se eu digo, por exemplo: a profundidade nessa prática está na sua procedência, ''se'' ela aconteceu assim. Então, a profundidade <s>deve</s> está no pensamento de uma tal procedência, ou a profundidade é «↓ ela mesma» apenas hipotética e só se pode dizer: ''se'' isso aconteceu assim, {{MS reference|(MS 143, p. 14)}} então foi uma história profunda e tenebrosa. Quero dizer: o tenebroso, o profundo, não reside no fato de ela ter ocorrido dessa forma, pois talvez ela não tenha ocorrido assim; nem tampouco que ela talvez ou realmente tenha sido assim, senão naquilo que me dá fundamento para isso supor tal suposição.{{hidden|<sup>148</sup>}} Claro, de onde vem na realidade o profundo e o tenebroso no sacrifício humano? São pois só os sofrimentos da vítima que nos impressionam? Doenças de todo tipo, que são ligadas a sofrimentos do mesmo tipo, não provocam ''contudo'' essa impressão. Não, esse profundo e tenebroso não são evidentes se nós só ficamos conhecendo a história da ação manifestada, pelo contrário ''nós'' o reintroduzimos a partir de uma experiência da nossa interioridade.{{hidden|<sup>149</sup>}}
Por isso, então, a profundidade está somente no pensamento de uma filiação. Entretanto, esta pode ser totalmente incerta, e poder-se-ia dizer: "para que tomar cuidados «ocupar-se» com uma coisa tão incerta" (como uma Elsa esperta{{hidden|<sup>146</sup>}} que olha para trás)? Mas não se trata de tais preocupações. – Sobretudo: de onde vem a segurança de que uma tal prática tem que ser muito antiga (quais são os nossos dados, qual é a verificação)? Entretanto nós temos uma segurança, não poderíamos estar equivocados e ter sido convencidos «↓ historicamente» de um equívoco? Certamente, mas então permanece sempre, claro, alguma coisa da qual estamos seguros. Poderíamos, «↓ portanto», dizer: "Bem, nesse caso a procedência poderia ser outra, mas em geral ela é certamente a pré-histórica". Aquilo que para nós é uma ''evidência'' disto, tem que conter a profundidade dessa suposição. E essa evidência é novamente psicológica «↓ e não-hipotética».{{hidden|<sup>147</sup>}} Se eu digo, por exemplo: a profundidade nessa prática está na sua procedência, ''se'' ela aconteceu assim. Então, a profundidade <s>deve</s> está no pensamento de uma tal procedência, ou a profundidade é «↓ ela mesma» apenas hipotética e só se pode dizer: ''se'' isso aconteceu assim, {{MS reference|(MS 143, p. 14)}} então foi uma história profunda e tenebrosa. Quero dizer: o tenebroso, o profundo, não reside no fato de ela ter ocorrido dessa forma, pois talvez ela não tenha ocorrido assim; nem tampouco que ela talvez ou realmente tenha sido assim, senão naquilo que me dá fundamento para isso supor tal suposição.{{hidden|<sup>148</sup>}} Claro, de onde vem na realidade o profundo e o tenebroso no sacrifício humano? São pois só os sofrimentos da vítima que nos impressionam? Doenças de todo tipo, que são ligadas a sofrimentos do mesmo tipo, não provocam ''contudo'' essa impressão. Não, esse profundo e tenebroso não são evidentes se nós só ficamos conhecendo a história da ação manifestada, pelo contrário ''nós'' o reintroduzimos a partir de uma experiência da nossa interioridade.{{hidden|<sup>149</sup>}}


O fato de que a sorte seja tirada de um bolo tem (também) algo de particularmente espantoso (próximo de uma traição por um beijo), e que isso nos cause a impressão de ser particularmente {{udashed|espantoso}}, tem novamente um significado essencial para a investigação dessas {{MS reference|(MS 143, p. 15)}} práticas {de uma tal prática}.{{hidden|<sup>150</sup>}}
O fato de que a sorte seja tirada de um bolo tem (também) algo de particularmente espantoso (próximo de uma traição por um beijo), e que isso nos cause a impressão de ser particularmente {{udashed|espantoso}}, tem novamente um significado essencial para a investigação dessas {{MS reference|(MS 143, p. 15)}} práticas {de uma tal prática}.{{hidden|<sup>150</sup>}}